Em uma quarta-feira à noite, o desejo repentino de degustar comida síria levou-me ao Tarbush, um dos meus restaurantes preferidos de Brasília. Noah, meu golden retriever, acompanhava-me, como sempre. Após o jantar, ao levantar-me e passar por um estreito corredor, um casal simpático abordou-me, pedindo permissão para acariciar o meu peludo dourado. Logo percebi que não eram brasileiros e, por curiosidade, perguntei de onde vinham. Russos, responderam. O marido, um diplomata de 32 anos, estava em sua primeira missão de cinco anos no exterior. A esposa, de 29, acompanhava-o. Quando nos conhecemos, eles ainda tinham mais um ano pela frente no país tropical.
Quando perguntei se gostavam de morar na capital federal, ambos responderam com entusiasmo que Brasília é uma cidade, cujo desejo de habitar não tem prazo de validade. Entendo o porquê: a qualidade de vida nessa pequena urbe é, de fato, diferenciada.
Passei a meditar em como a mulher, vou chamá-la de Anastasia, é privilegiada pela oportunidade de viver em um país diferente, aprender um novo idioma e imergir numa nova cultura, a cada cinco anos.
Lembrei-me da época em que morei na Bélgica e estudava francês. Na sala de aula, à minha direita, sentava-se uma italiana e, à esquerda, uma americana. As duas eram brilhantes, assimilavam o conteúdo com facilidade e mantinham seus cadernos de anotações impecáveis. Descobri que ambas tinham 30 anos e eram esposas de diplomatas, em missão na capital Belga, Bruxelas. O que fazer durante o dia? Aprender francês, nada mal, “ma amie”. A americana gostava de cozinhar; a italiana, de escrever. Esta última contou-me que havia escrito um livro, mas, por causa da mudança com o marido, não teve tempo de buscar uma editora para publicá-lo.
Pensei nas esposas de militares e diplomatas: o que elas têm em comum, além de não trabalharem e viverem em constantes mudanças?
Meu irmão costuma dizer que diplomata nenhum quer casar com uma mulher que não queira ter filhos. Pelo que o Instagram indica, as duas colegas do meu passageiro curso de francês estão grávidas. Meu irmão tem razão. A procriação é uma necessidade comum desses jovens casais nômades.
A russa que conheci no restaurante tornou-se uma grande amiga. Inteligente como as outras, ela nunca fez curso de português, mas, em três anos no Brasil, falava perfeitamente e compreendia quase tudo do nosso rico idioma, à exceção de palavras mais rebuscadas. Eu adorava ajudá-la a enriquecer o vocabulário, e ela sempre elogiava o meu português.
Às segundas-feiras, uníamos para um Aperol Spritz. Depois de saborear uma sobremesa ou croissant, despedíamo-nos. Era nossa terapia, já que ambas entendiam que gastar tempo e dinheiro numa sessão para falar da vida com uma pessoa desconhecida não fazia o menor sentido. Nada melhor do que confidências recíprocas, acompanhadas do prazer ofertado ao paladar, em plena segunda-feira.
Em um desses encontros, ela abriu seu coração. Estava tentando engravidar, mas não conseguia. Falei que, ao menos, ela tinha encontrado o amor de sua vida, e que o filho chegaria no tempo de Deus.
Também falei sobre minhas experiências pelo mundo. Ao mostrar fotos da minha recente viagem a Los Angeles, ela disse ser eu uma pessoa de sorte por vivenciar tantas experiências. “Tenho muita vontade de conhecer os Estados Unidos, mas por causa da guerra não podemos ir lá. Nem se eu quisesse ir sozinha, poderia entrar na América, por ser esposa de diplomata russo”. Interessante que eu a achava privilegiada por morar a cada cinco anos em uma nação diferente, e agora ela me admirava pela oportunidade de visitar diferentes países sem restrições de entrada.
Quando nos conhecemos, comecei a estudar russo e, depois de um ano, já entendia parte das conversas dela com a mãe, pelo telefone, durante nossos encontros terapêuticos. Às vezes, saíamos nós três – eu, Anastasia, e o marido, Daniil. Nessas ocasiões, gostava de conversar com ele sobre idiomas, notícias do mundo, economia e política, e saber mais sobre o governo russo e, claro, sobre Putin.
Nosso trio improvável – eu, Anastasia e Daniil – seguia desfrutando dessas conversas que, em geral, variavam entre a leveza das curiosidades culturais e as nuances da política internacional. Em determinado momento, dei-me conta de que, para eles, o Brasil era uma aventura temporária, uma fase passageira de suas vidas de constante transição. Para mim, porém, um palco fixo, onde cada novo conhecido deixava sua marca, enquanto eu seguia na minha busca, sempre atenta a encontros inesperados e reflexões sobre o mundo.
No dia de dizerem adeus ao Brasil, fui despedir-me deles, no aeroporto Juscelino Kubitschek. Enquanto caminhava com Noah em direção ao meu carro, pensei sobre como a vida de esposas de diplomatas parece fascinante, mas, ao mesmo tempo, cheia de ausências sutis. Não é só o fato de estarem longe de casa, mas o sentimento de que, para essas mulheres, a vida acontece em fragmentos, sem raízes permanentes. Talvez a minha busca por um par fosse diferente, sem a mesma urgência de ter um filho para criar raízes onde quer que eu esteja, mas, ainda assim, uma busca tão válida quanto a delas.
Foi assim que seguimos por um tempo, entre drinks e conversas profundas, entre a permanência e a transitoriedade. E, quem sabe, no final da contas, o que eu e Anastasia estávamos realmente procurando não fosse tão diferente assim.
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