Em Brasília, a desigualdade tem cor, temperatura e sombra. Enquanto no Plano Piloto e nos Lagos Sul e Norte os moradores desfrutam de generosas copas verdes que amenizam o calor do cerrado, nas periferias do Distrito Federal o cenário é outro: concreto exposto, asfalto escaldante e escassez de árvores que tornam a vida urbana ainda mais árdua para quem já enfrenta tantas outras privações.
O Deputado Fábio Felix (PSOL) apresentou um requerimento de informação à Novacap solicitando informações sobre quantas árvores foram plantadas em cada Região Administrativa de 2015 a 2024. Os dados apresentados confirmam o que qualquer observador atento já poderia notar em um simples passeio pela capital federal: a arborização urbana é um privilégio distribuído conforme a classe social e a localização geográfica. Enquanto o Lago Sul ostenta impressionantes 1.375 novas árvores plantadas para cada mil habitantes na última década, regiões populosas como Ceilândia amargam míseras 50 árvores por mil moradores.
Região Administrativa | População | Árvores Plantadas (2015-2024) | Árvores por 1.000 habitantes |
Lago Sul | 26.244 | 36.104 | 1.375,7 |
Park Way | 22.289 | 22.431 | 1.006,4 |
Plano Piloto | 198.697 | 67.541 | 339,9 |
Lago Norte | 32.379 | 10.417 | 321,7 |
Sudoeste/Octogonal | 44.354 | 7.319 | 165,0 |
Paranoá | 63.923 | 10.304 | 161,2 |
Sobradinho | 72.273 | 11.578 | 160,2 |
Riacho Fundo II | 65.658 | 9.599 | 146,2 |
Cruzeiro | 25.741 | 3.317 | 128,9 |
Brazlândia | 55.561 | 6.309 | 113,6 |
Ceilândia | 287.023 | 12.819 | 44,7 |
Planaltina | 179.960 | 8.942 | 49,7 |
Itapoã | 65.408 | 884 | 13,5 |
Esta desigualdade não é mero acaso ou consequência natural do desenvolvimento urbano. Representa uma política pública historicamente negligente que reproduz e amplifica as desigualdades sociais através do acesso diferenciado aos benefícios ambientais. As árvores urbanas não são apenas elementos estéticos ou decorativos; são infraestrutura vital que regula a temperatura, filtra o ar, absorve poluentes, previne enchentes e proporciona bem-estar físico e psicológico. Negar estes benefícios a determinadas regiões é perpetuar um ciclo de injustiça ambiental que tem consequências diretas na saúde, no conforto e na qualidade de vida.
A ironia é que as regiões mais carentes de arborização são justamente aquelas onde seus benefícios seriam mais necessários. Em Ceilândia ou Itapoã, onde predominam habitações com menor isolamento térmico, o efeito refrescante das árvores faria diferença crucial na temperatura interna das residências. Nos trajetos longos que os trabalhadores dessas regiões percorrem diariamente, a sombra nas paradas de ônibus e calçadas representaria conforto significativo. E, nas áreas de menor renda, o impacto positivo da arborização na redução do consumo de energia para refrigeração representaria economia real no orçamento doméstico já apertado.
O PLC 64/2025, de autoria do Dep. Fábio Felix, que propõe a criação de uma Política Distrital de Arborização Urbana com foco no combate às desigualdades ambientais, surge como resposta necessária a esta distorção histórica. Mais que um projeto de lei, representa o reconhecimento tardio de que o direito à cidade inclui também o direito à natureza urbana. Não se trata apenas de plantar árvores, mas de distribuir equitativamente os benefícios que elas proporcionam.
Brasília, concebida para ser a cidade-parque, precisa estender esta visão para além do Plano Piloto. É inadmissível que, em pleno século XXI, com todo o conhecimento acumulado sobre os benefícios da arborização urbana, continuemos a reproduzir padrões de desenvolvimento que privilegiam alguns em detrimento de muitos. O desafio não é apenas técnico ou orçamentário, mas principalmente político e ético: que tipo de cidade queremos construir? Uma que escancara e amplia desigualdades ou uma que busca corrigi-las em todas as suas dimensões, inclusive na distribuição de árvores?
A mensagem dos números é clara: precisamos de uma revolução verde que comece pelas periferias. Que cada morador do Distrito Federal, independentemente de seu CEP ou renda, possa desfrutar dos benefícios de uma cidade verdadeiramente arborizada. O direito à sombra deve ser universal.
As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião do Veronoticias.com