No dia 12 de março de 2024 o então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, inaugurou Centro Integrado de Combate à Desinformação, criado por meio da Portaria TSE n.180/2024, visando garantir o cumprimento da Resolução TSE n. 23.610 que trata da propaganda eleitoral. O Centro contará com a participação do Ministério Público Federal, da OAB, do Ministério da Justiça e da Anatel e terá como objetivo a atuação coordenada da Justiça Eleitoral junto aos Poderes, órgãos da República e instituições na promoção da educação em cidadania, dos valores democráticos e dos direitos digitais.
Em seu discurso o ministro afirmou que uma das missões do Tribunal é garantir a liberdade na hora da escolha dos eleitores cuja vontade “vem sendo atacada por milícias digitais desde 2018” e que ao utilizar fake news e discursos de ódio “pretendem desvirtuar o mercado livre de ideias, salientando também que “as notícias fraudulentas e as fake news foram anabolizadas pelo mau uso da inteligência artificial”“.
E que o Centro Integrado terá uma rede de comunicação em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), para garantir que as fake news e a utilização da Inteligência Artificial (IA) irregular possam ser combatidas nas Eleições Municipais de 2024, cabendo também “organizar campanhas publicitárias de educação contra a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos e em defesa da democracia e da Justiça Eleitoral, bem como sugerir aos órgãos competentes as alterações normativas necessárias para o fortalecimento da JE e para o enfrentamento do tema”.
A preocupação e as medidas do TSE são procedentes, afinal as novas tecnologias trouxeram inúmeros benefícios, como a expansão da internet e das redes digitais, interligando pessoas, facilitando acesso ao conhecimento etc., mas também se tornou um espaço para que pessoas, protegidas pelo anonimato, utilizem para expressar ódios, discriminações e incitação à violência.
E que crescem em processos eleitorais. Em 2020, com o objetivo de combater os discursos de ódio nas redes sociais a Fundação Getulio Vargas publicou o Guia para Análise de Discurso de Ódio, resultado de uma pesquisa feita entre 2017 e 2019 pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV/SP e a Confederação Israelita do Brasil (CONIB) como objetivo de “esclarecimento conceitual do discurso de ódio por meio da construção de uma matriz de variáveis que servem para a identificação, avaliação e sancionamento em casos concretos (…), mormente em meios de grande propagação, como redes sociais, tem reforçado o desafio de se buscar um instrumental de análise teórico para a questão, capaz de auxiliar empresas, organizações não governamentais e entidades estatais e comunitárias a lidar, mitigar e solucionar tais casos.”
Os discursos de ódio “são manifestações que avaliam negativamente um grupo vulnerável ou um indivíduo enquanto membro de um grupo vulnerável, a fim de estabelecerem que ele seja menos digno de direitos, oportunidades ou recursos do que outros grupos e indivíduos membros de outros grupos, e consequentemente, legitimar a prática de discriminação ou violência”. Fundamentalmente, a restrição de direitos tanto pelo estímulo à discriminação quanto a agressão física, incluindo comparações degradantes, deboches, insultos, ofensas, calúnias, desqualificação de pessoas, grupos ou instituições.
E as redes sociais tem se tornado um espaço privilegiado na propagação de discursos de ódio, embora não tenham sido criados por ela, é inegável que possibilitam as condições para sua disseminação.
A expansão das redes digitais criou novos desafios, entre eles, o do que pode e deve ser feito para garantir algo fundamental em uma democracia: a liberdade de expressão e nesse sentido é necessário coibir os abusos cometidos em nome dessa liberdade. Esta parece ser a questão central por trás decisão do ministro Alexandre de Moraes e da 1ª. Turma do STF sobre a suspensão do X no Brasil por desobediência à Constituição do país, ou seja, se o Estado deve garantir a livre expressão de todos, não pode nem deve tolerar discursos de ódio ou violentos que ataquem às pessoas e instituições democráticas. A liberdade de expressão não pode ser usada como pretexto para isso, não pode e nem deve ser exercida de forma abusiva, quando fere um princípio fundamental que é o da dignidade humana e no caso citado, das leis de um país.
A questão relevante assim é: como minimizar ou impedir as condições que facilitam e estimulam o discurso de ódio? Como punir os responsáveis? A tolerância numa sociedade democrática é fundamental, mas ela, como pressuposto, não pode e nem deve tolerar o intolerante e assim há duas questões relevantes: a necessidade de se garantir a liberdade de expressão e também de se ter instrumentos eficazes para se combater todas as formas de violência e intolerância que o ambiente digital possibilita.
Em relação às eleições, uma das iniciativas importantes, além das Resoluções do TSE é da SaferNet Brasil, uma organização não-governamental, fundada em 2005, que tem como foco central a promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil e ajudou a criar uma Central de Denúncias que mostram como as eleições tornaram-se um campo fértil para o discurso de ódio, e que pelo menos desde 2018 – quando o representante da extrema direita venceu a eleição presidencial e ampliou-se a bancada no Congresso Nacional (e também nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais)- têm registrado aumento dos discursos de ódio no período eleitoral.
Segundo dados da Safernet, em 2018, misoginia, xenofobia e neonazismo tiveram os maiores percentuais de crescimento. Em 2020, racismo e xenofobia registraram mais do que o dobro de denúncias em relação a 2019. Já as denúncias de neonazismo tiveram um crescimento de 740,7% em 2020 em relação a 2019.
E dos seus projetos é a criação de “formatos de contranarrativas para o combate ao discurso de ódio e a discriminação na Internet nas eleições, baseado nos princípios universais dos Direitos Humanos.”
Combate a expressões preconceituosas que são usadas nas redes sociais que revelam todo tipo de intransigência em relação ao outro (racismo, homofobia, misoginia etc.,) e uma de suas (graves) consequências é que lidera as estatísticas de mortes na comunidade LGBTQI++; mata muito mais negros do que brancos e aumento de homicídios de mulheres (ver os dados que constam no Relatório Atlas da Violência mais recente (2023), produzido pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria com o FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
A questão central é: quais as estratégias para desarticular as discriminações on-line? Que medidas de prevenção são eficazes para coibir a ocorrência do discurso de ódio ou de mitigar seus efeitos e limitar seu alcance?
Do ponto de vista legal, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos defende que a apologia ao ódio racial, nacional e religioso é crime. Em todos os países, os grupos que são alvos de discursos de ódio são basicamente os em situação de vulnerabilidade social, política e econômica.
No direito penal, o artigo 20 da lei 7.716/89 criminaliza condutas que podem ser consideradas discursos de ódio, como crime o induzimento e incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, assim como da injúria utilizando referências à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (artigo 140, § 3º do Código Penal).
Punir os que usam as redes sociais com discursos de ódio e incitamento à violência porque fere princípios de direitos humanos e também à Constituição. Não se pode e nem se deve aceitar conteúdos que ataque alguém com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, política, religião, etc. E tanto as ações e resoluções do TSE e entidades como a SaferNet são importantes nesse combate e não apenas em eleições.
As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião do Veronotícias.com