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Em defesa da ciência e contra o charlatanismo

Imagem ilustrativa criada a partir de IA

“Parte das decisões que influenciam o futuro de nossa civilização está visivelmente nas mãos de charlatães” Carl Sagan em O Mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro

No dia 18 de outubro de 2024, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou a decisão de uma juíza de São Paulo que condenou duas cientistas a bióloga Ana Bonassa e a farmacêutica Laura Marise, por desmentirem em julho de 2023 em seu canal de divulgação científica (Nunca Vi 1 Cientista) o nutricionista André Luiz Lanza que afirmava em sua página no Instagram que a diabetes era causada por vermes. Na realidade, a diabetes – uma patologia crônica – é caracterizada pela produção insuficiente de insulina, hormônio que regula a glicose no sangue. Portanto, como elas afirmaram não existe nenhuma relação entre diabetes e parasitas.

O nutricionista apresentou também um “tratamento alternativo” recomendando um “protocolo de desparasitação”, oferecendo à venda um e-book com os procedimentos que deveriam ser feitos.
O objetivo das cientistas era a de questionar justamente o tal “tratamento alternativo” e no vídeo, de forma didática, alertaram para os perigos de informações (e procedimentos) em especial na área de saúde, sem comprovação científica.

No dia 23 de agosto de 2024, Larissa Boni Valieres juíza da 1ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo em resposta a um processo do nutricionista, condenou as duas cientistas a pagarem uma multa de R$ 1.000 por danos morais ao responsável pelas postagens e mandou a retirar o vídeo do ar considerando que prejudicava a imagem na venda dos serviços do autor da ação e o “uso não autorizado dos dados do autor”. A não exclusão resultaria em uma multa diária de R$ 100. O nutricionista pedia uma indenização de 30 mil reais.

Ao escrever a respeito deste fato, Bruno Vaiano – Editor-chefe da revista Superinteressante – no artigo Duas cientistas brasileiras foram condenadas e multadas por falar a verdade, afirma que antes da condenação, o Ministério Público havia emitido um parecer classificando a hipótese dos vermes como “tese extremamente questionável, excêntrica e esdrúxula, já afastada pelas técnicas medicinais há muitos anos”.

No artigo, ele argumenta que a condenação das duas cientistas poderia abrir um precedente perigoso “em um país em que divulgadores de ciência usam as redes sociais, entre outras coisas, para preencher as lacunas severas de alfabetização científica da população brasileira – que são resultado de séculos de desigualdade socioeconômica, políticas públicas fracassadas na educação, racismo e outros males crônicos”.

No dia 7 de setembro de 2024 o Jornalista Reinaldo José Lopes publicou um artigo no jornal Folha de S. Paulo intitulado Vence a pilantragem dos influencers da saúde no qual inicia afirmando que “na internet (…) existe um vasto ecossistema de ‘influenciadores da saúde’ dedicada a vender soluções estapafúrdias para doenças que deveriam ser tratadas com medicina de verdade. Para nossa sorte, também existem divulgadores científicos que costumam desmontar esses absurdos com precisão e bom humor”.

Como afirmaram as cientistas o objetivo do vídeo era de caráter educativo e a intenção delas (e do canal) era o de alertar sobre os perigos, em especial para a saúde das pessoas, de confiar em informações (ou métodos) sem comprovação científica, como era o caso.

Um pouco mais de um mês da condenação e da defesa das cientistas na justiça, que passaram também a contar com apoio de várias entidades, como de entre outras, da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) no dia 28 de setembro o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Tofolli, suspendeu a decisão da juíza.

A iniciativa das duas cientistas de criar um canal de divulgação científica é muito importante em meio ao analfabetismo científico na sociedade, incluindo os meios de comunicação. Há uma avalanche de irracionalidade, mentiras e manipulação vinculadas especialmente na internet. Este foi apenas um caso, de repercussão recente. Há muitos outros, no qual se usa as plataformas digitais para além de vender “tratamentos alternativos” ineficazes, publicar todo tipo de absurdos, como ataques à ciência, difusão de teorias da conspiração etc.

São perigosas especialmente quando dizem respeito à saúde. No dia 18 de outubro de 2024, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) através de uma Norma, suspendeu a manipulação, comercialização, propaganda e uso de implantes hormonais manipulados, conhecidos como “chips da beleza”, um tipo de terapia hormonal para fins estéticos, prevendo penalização de médicos que prescreverem os implantes. No final de 2023, o Conselho Federal de Medicina através de uma Resolução já havia proibido terapias hormonais, como os “chips da beleza”.

Não apenas as agências reguladoras, como a ANVISA e o Conselho Federal de Medicina como no exemplo citado, tem um papel fundamental nesse processo, como diversos canais de divulgação cientifica que contribuem para o esclarecimento e combate à desinformação. O Science Blogs Brasil, reúne alguns deles como Peixe Babel, o citado Nunca Vi 1 Cientista, os Dragões da Garagem assim como existem muitos outros como Ciência Todo Dia; Eu, Ciência; Ciência e Astronomia; Ciência Brasil; Nerdologia, etc.

Também em universidades, como entre outras iniciativas, a criação do Comitê para Discussão e Monitoramento da Política de Divulgação Científica, vinculado às Pró-reitorias de Pesquisa e de Extensão da UFMG, instituições privadas como o Instituto Serrapilheira criado para “valorizar o conhecimento científico e aumentar sua visibilidade, ajudando a construir uma sociedade cientificamente informada e que considera as evidências científicas nas tomadas de decisões”.

Além de artigos e ensaios em defesa da ciência e de divulgação científica, também muitos livros e alguns publicados no Brasil como Ciência Picareta – como a mídia promove os equívocos do público sobre a ciência; Por que pessoas inteligentes acreditam em tolices; estatísticas erradas e Medos em relação à saúde do médico e escritor britânico Ben Goldacre (Editora Civilização Brasileira, 2013, 377 pg.) no qual aborda diversos aspectos que justificam o título como uma certa ginástica cerebral, também sobre homeopatia e efeito placebo, os medos em relação à saúde (que levam muitos picaretas a usarem uma linguagem pretensamente científica para enganar pessoas) e entre os capítulos um sobre o papel da mídia nesse processo: “Como a mídia promove os equívocos do público em relação à ciência e por que pessoas inteligentes acreditam em tolices”.

Como consta na apresentação, o autor “desmascara médicos e nutricionistas charlatães e estudos científicos tendenciosos, além de responsabilizar os meios de comunicação por sua prontidão em promover equívocos sobre a ciência, alimentando a indústria da desinformação”.

E mais do que isso, mostra não apenas os erros (e são muitos os exemplos no livro), como propagandas de cosméticos (e dietas) enganadoras etc., como incluiu um capítulo sobre homeopatia (p.41 a 75) na qual afirma “ não haver evidências científicas que demonstrem sua veracidade” e que “foram exaustivamente pesquisados em inúmeros testes e descobriu-se que não funcionam melhor do que um placebo”

O autor cita o mágico e cético canadense ( naturalizado norte-americano) James Randi (1928-2020) que foi um dos fundadores do Comitê para a Investigação Cética. Como informa Goldacre, ele ofereceu um milhão de dólares a qualquer pessoa que demonstrasse ‘afirmações anômalas’ sob condições de laboratório e oferecia o prêmio a qualquer pessoa que “distinguisse confiavelmente uma preparação homeopática de uma não-homeopática usando qualquer método que desejasse”.

O prêmio era parte do que foi chamado de Desafio Paranormal de um Milhão de Dólares para que qualquer pessoa pudesse demonstrar evidências de fenômenos paranormais, sobrenaturais ou chamado de “poderes ocultos”, desde que testados por ele. Morreu sem que houvesse concedido o prêmio (um dos casos famosos dele foi desmascarar publicamente o ilusionista israelense Uri Geller.(ver detalhes do caso no site).

Outro livro importante publicado no Brasil é do astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934-1996) “O mundo assombrado pelos demônios – a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia das Letras, 1996). Como outros livros dele, se trata de “uma defesa apaixonada e apaixonante da ciência e da racionalidade humana”.

De forma didática, clara “transmitida com humor e graça” ataca o vírus do analfabetismo científico “que faz, por exemplo, com que a maioria dos americanos pense que os dinossauros conviveram com os seres humanos e desapareceram no Dilúvio porque não cabiam na arca de Noé “…e nesse sentido “Carl Sagan acende a vela do conhecimento científico para tentar iluminar os dias de hoje e recuperar os valores da racionalidade”.

E também de autores brasileiros como, entre outros, os livros Ciência versus Pseudociências (astrologia, acupuntura, homeopatia, ufologia e parapsicologia) de Paul Lee (Editora Expoente, 2003), Pura Picaretagem. Como livros de esoterismo e autoajuda distorcem a Ciência para te enganar. Saiba como não cair em armadilhas! de Daniel Bezerra e Carlos Orsi (Editora Leya, 2013), Ciência e Pseudociência (por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar) de Ronaldo Pilati (Editora Contexto, 2018) e Que bobagem: pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério (Editora Contexto, 2023) de Natalia Pasternak e Carlos Orsi.

Enfim, um grande desafio hoje é a defesa da ciência em meio a explicações místicas e pseudocientíficas que ocupam espaços nos meios de comunicação, na internet e redes sociais, como ocorreu durante a pandemia com divulgação e defesa de medicamentos ineficazes, mas que continua a existir de outras formas, ou seja, a necessidade do combate eficaz contra a desinformação e saber avaliar criticamente o conjunto imenso de informações que se recebe de variadas fontes (jornais – impressas e digitais – noticiários de canais de TV, revistas, programa de rádio etc.).

Saber distinguir o que é fato do que é fake, conhecimento científico (ancorado em evidências) do que não é e assim não ser vítima do “mar de crenças pseudocientíficas” no emaranhado de negações e interpretações equivocadas de informações científicas (às vezes usando uma linguagem obscura, pretensamente cientifica).

E não é uma tarefa fácil como argumenta Leon Festinger (1919-1989) no livro Teoria da Dissonância Cognitiva (Editora Zahar, 1975). Ele construiu um modelo no qual procura explicar como muitas pessoas buscam reduzir o mal-estar causado por um conflito entre o que pensam e o que fazem, procurando dar coerência as suas crenças (e ideologias) mesmo quando a realidade, os fatos, as desmente (que ele chama de viés da conformação) acreditando em coisas mesmo que haja evidências contrárias àquilo que acredita.

Mas isso não impede que outros procurem ter uma visão científico-racional do mundo, ou seja, uma postura cética e racional e não serem vítimas de charlatães.

As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião do Veronotícias.com

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