O tcheco Josef Koudelka é um expoente do fotojornalismo. Registrou a invasão de Praga pela União Soviética, a vida dos ciganos na Europa Oriental e cenas do cotidiano na Europa Ocidental. Uma mostra significativa de sua obra foi organizada em São Paulo pelo Instituto Moreira Sales em parceria com a Fundação Josef Koudelka e o Museu de Artes Decorativas de Praga e pode ser vista até o próximo final de semana. Numa fase mais recente, o fotógrafo tcheco desviou seu olhar para o muro que divide judeus e palestinos na Terra Santa. A grande jornalista Dorritt Harazim define esse trabalho, não incluído na amostra, simplesmente como “um colosso”.
Hoje com 86 anos, Josef Koudelka é um porta-voz do pós-guerra. Tinha um recém-nascido quando, num prenúncio da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Nazista invadiu uma região de seu país conhecida como Sudetos. Cresceu entre bombas e a instauração da Cortina de Ferro, que dividia a Europa socialista do Ocidente. Tinha 30 anos quando a Primavera de Praga, uma tentativa de oxigenar o sistema opressivo imposto por Moscou, foi esmagada por tanques do Pacto de Varsóvia. Os flagrantes que ele captou e divulgou anonimamente revelaram ao mundo o susto e a impotência dos subjugados.
A mesma eloquência marca o mergulho de Koudelka na desolação no entorno do muro em Israel, no nomadismo dos ciganos e no interior de países como Espanha, Portugal e França. Seus estudos sobre a Terra Santa se debruçam sobre teias de arame farpado. Já os registros da Europa expõem sentimentos humanos e inspiram empatia pelos retratados, sejam casais apaixonados, crianças, trabalhadores ou famílias se despedindo dos mortos. No final, mensagem é simples: o repúdio à violência e a conclamação à fraternidade.
É fácil também entender a visão de mundo de Koudelka, como a dos que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. A União Europeia, os órgãos multilaterais e, no nosso quintal, o Mercosul foram tentativas de mitigar fronteiras políticas e econômicas, abrandar nacionalismos e criar uma comunidade global. Esses ideais foram impregnados pela geração de Koudelka na seguinte, a geração X. Neste século, parecem estar se esvanecendo. E o Brasil não é exceção.
São comuns as interpretações de que esse movimento se deva a um descanto com os resultados da economia globalizada. A esperança teria cedido lugar à fadiga e à descrença num futuro de mais prosperidade. Certamente o processo também está relacionado ao esquecimento do sofrimento da guerra e do totalitarismo. A obra de Koudelka é convite à memória e à reflexão. Pode ser conferida por meio do site de sua fundação e das redes sociais.
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