Interrogatório no STF reacende debate sobre modelos processuais | Vero Notícias Interrogatório no STF reacende debate sobre modelos processuais
pesquisa
 | 
menu

Interrogatório no STF reacende debate sobre modelos processuais

Foto: Antonio Augusto/STF

A forma de condução dos interrogatórios no Supremo Tribunal Federal voltou a gerar debates no meio jurídico, especialmente à luz das mudanças implementadas pela reforma do Código de Processo Penal de 2008. Do ponto de vista técnico e processual, observa-se que, em determinadas situações, ainda se adota um modelo que remonta à lógica anterior à reforma, quando o juiz conduzia diretamente a maior parte dos questionamentos.

Desde a reforma do Código de Processo Penal em 2008, o Brasil deu passos importantes para consolidar um modelo acusatório no processo penal, com ênfase na paridade de armas e na proteção das garantias fundamentais. Esse avanço ganhou reforço com a Lei da Colaboração Premiada (Lei 12.850/13), que reconheceu o papel do delator como parte da defesa, resguardado por direitos inalienáveis durante o processo.

Nesse novo paradigma, o interrogatório é compreendido como um ato de defesa — não mais um instrumento de obtenção de prova pelo juiz. Realizado ao final da instrução, ele deve ser conduzido pelas partes (defesa e acusação), cabendo ao magistrado atuar como mediador do ato. Essa lógica é ainda mais relevante quando o interrogado é um delator: alguém que, por colaborar com a Justiça, está mais suscetível a pressões e distorções interpretativas, caso o juiz abandone sua posição de neutralidade.

No entanto, o recente interrogatório de Mauro Cid no âmbito da Primeira Turma do STF acendeu um alerta preocupante. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, conduziu toda a oitiva: abriu os trabalhos, mediou as perguntas da PGR, da defesa e dos corréus — sem permitir que as partes dirigissem suas perguntas diretamente. O formato adotado remete a práticas inquisitoriais, que a legislação e a jurisprudência contemporânea já haviam superado.

Essa centralização do ato viola preceitos fundamentais do processo penal democrático. Primeiro, porque compromete o contraditório pleno, ao submeter a formulação de perguntas à mediação judicial. Segundo, porque enfraquece a transparência e a imparcialidade, pilares do princípio do juiz neutro. E, por fim, porque reduz o controle da defesa sobre a estratégia de questionamento, o que pode impactar diretamente a validade da colaboração.

Chama atenção, inclusive, que os próprios fundamentos doutrinários amplamente reconhecidos no meio jurídico reforçam a defesa de um modelo acusatório robusto, baseado na autonomia das partes e na neutralidade do juiz. Ao monopolizar a condução do interrogatório, o ministro não apenas se afasta dessa coerência teórica, como também fragiliza a legitimidade do processo e abre espaço para retrocessos institucionais.

A atuação do relator, especialmente em casos de alta visibilidade e complexidade, precisa reforçar — e não comprometer — as garantias processuais. É papel do juiz organizar o ato, garantir a ordem e proteger os direitos das partes, mas sem substituir seus papéis ou distorcer o equilíbrio do processo.

O que vimos no interrogatório de Mauro Cid não é apenas um erro procedimental: é um sinal de alerta. Mesmo quando se trata de delatores, as regras do jogo democrático não podem ser flexibilizadas ao sabor das circunstâncias. O modelo acusatório é uma conquista civilizatória — e sua preservação deve ser responsabilidade de todos os atores do sistema de justiça.

A adoção de formatos anteriores à reforma, que já não encontram respaldo nem na legislação vigente nem na jurisprudência consolidada do próprio Supremo, reacende a reflexão sobre a evolução das práticas processuais no país e sobre a necessidade de alinhamento entre a teoria e a prática nos atos judiciais.

notícias relacionadas

Gonet defende validade de delação no caso golpista

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, criticou a conduta de Mauro Cid, apontando omissões e contatos irregulares com a defesa de outros réus, e defendeu que os benefícios ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro sejam os mínimos possíveis.

No entanto, Gonet reforçou que a delação segue válida e não deve ser anulada, nem as provas derivadas dela, mesmo que se confirme o uso de um perfil no Instagram para se comunicar indevidamente.

PF apura laços entre empresário e ministros do STJ

A Polícia Federal encontrou indícios de aproximação entre o empresário Haroldo Augusto Filho e os ministros João Otávio de Noronha e Marco Buzzi, do STJ, durante investigação sobre venda de decisões judiciais.

Haroldo cedeu aeronave usada por Noronha e manteve contato com a filha de Buzzi. A empresa de Haroldo, Fource, atua em disputas judiciais sem aparecer formalmente nos processos.

Câmara aprova “pauta bomba” em reação a decisões de Lula e STF

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (16), um projeto que destina até R$ 30 bilhões em crédito subsidiado para o agronegócio, com recursos do Fundo Social do pré-sal.

A proposta foi votada em clima de retaliação, após o veto do presidente Lula ao aumento salarial dos parlamentares e a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de manter o aumento do IOF.

PSDB enfrenta dilema entre base e cúpula sobre rumos do partido

Foto: Divulgação

Uma pesquisa com filiados do PSDB mostra que a base defende fusão ou federação com siglas semelhantes, mas os nomes mais citados — como PSD e MDB — são rejeitados por caciques como Aécio Neves e Marconi Perillo. A base e a cúpula estão em rota de colisão.

O PSDB tenta se reposicionar com novo slogan e possível filiação de Ciro Gomes, mas enfrenta críticas por decisões incoerentes, como a entrada de Wilson Witzel. A filiação causa estranheza, principalmente diante da proximidade do partido com Eduardo Paes, desafeto de Witzel.