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O ecossistema da desinformação e a necessidade de regulação das redes

Imagem ilustrativa criada a a partir de IA

No dia 13 de novembro de 2024 ocorreu um atentado na Praça dos Três Poderes em Brasília (DF) no qual um artefato explodiu em direção ao prédio sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e depois outro foi detonado, causando a morte imediata do autor, um militante da extrema direita bolsonarista na tentativa (frustrada) de “livrar o país de uma ditadura do judiciário”.

O fato teve ampla repercussão, não apenas no Brasil e depois circularam na imprensa, sites, blogs e nas redes sociais muitas informações sobre o autor do atentado, suas motivações, postagens nas redes sociais (onde era bastante ativo), utilizando-as intensamente para difusão de discursos de ódio contra o governo Lula e em especial contra o STF.

No dia seguinte houve uma sessão plenária do STF e uma matéria publicada por Pedro Rocha, Edilene Cordeiro e Virginia Pardal (“Ministros repudiam atentado contra STF e reforçam a necessidade de responsabilização por atos contra a democracia”) relatam que houve unanimidade entre os ministros presentes de repúdio ao atentado, quecontou também com a presença do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, que afirmou: “Está claro que o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos, demonstrando a importância do esforço que vem sendo desenvolvido pela PGR e pelo STF na apuração de responsabilidades e punição por atos violentos de propósito antidemocráticos”.

Para o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso o atentado “reforça a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia” e o que ocorreu “se soma a outros que já vinham ocorrendo no país nos últimos anos e que culminaram na invasão e na depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023” e que não se deve aceitar a ‘naturalização do absurdo’ por acabar incentivando a reiteração desse tipo de comportamento”.

Para o ministro Gilmar Mendes o que ocorreu não foi um fato isolado e afirmou que, nos últimos anos, houve diversos atentados contra as instituições de Estado e a democracia e citou alguns deles como os disparos de fogos de artifício contra o STF em 2020; o acampamento no QG do Exército em Brasília (e também em diversas cidades, principalmente nas capitais) pedindo intervenção militar; a tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal e a bomba plantada em um caminhão próximo ao aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022.

E afirma que “Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente (…) o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior” e se referiu a campanha eleitoral de 2018 “caracterizada pela ampla utilização das redes sociais para a difusão de ódio, ataques pessoais e fake news” e que se manteve com o governo iniciado em 2019 e o comportamento (falas e ações) do presidente,  que usando as redes sociais “influenciou o discurso dos apoiadores que radicalizaram o debate político e criminalização da oposição, o desrespeito às autoridades e ataques sistemáticos às instituições, que combateram essas práticas como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal”.

E destacou a importância da defesa das instituições, à necessidade de regulação das redes sociais e se posicionou contrário a “eventuais propostas de anistiar criminosos”. Ele se referiu também ao que chamou de “sequestro de símbolos nacionais com objetivos eleitorais”, como em 2021 na comemoração do dia 7 de setembro “utilizado para ameaçar o STF, incitando os cidadãos ao descumprimento de decisões judiciais, de questionamentos à integridade das urnas eletrônicas”.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que não se pode aceitar que por questões ideológicas, o ato esteja sendo banalizado e classificado como mero suicídio e da mesma forma do que afirmou o presidente da STF, não se pode normalizar “o contínuo ataque às instituições”. Para ele, essas pessoas não são apenas negacionistas na área da saúde (como ocorreu durante a pandemia da covid-19), elas são negacionistas do Estado Democrático de Direito, que devem e serão responsabilizadas.

Para o Ministro Flávio Dinohá uma banalização da ideia de que o Supremo será intimidado por gritos, xingamentos e ofensas, o que além de serem inúteis, incentiva pessoas desatinadas a se reunir, muitas vezes por meio da internet, para cometer crimes”. A matéria está disponível aqui.

O fato é que atos como esse não foi apenas de um “lobo solitário”, mas de alguém que se nutriu de ideias e práticas extremistas, usando especialmente as redes sociais, integrando, como milhares de outras pessoas, o ecossistema tóxico de desinformação, da pregação de discursos de ódio, que se materializa em atos como esse e que foi antecedido por outros, sendo o mais grave o que culminou nos atos de vandalismo e tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília (DF).

O caminho foi pavimentado, irrigado por um ambiente de constantes ataques às urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral, ao STF e a democracia, do uso político da religião (e o apoio de lideranças inescrupulosas) e evidenciou o impacto do discurso de ódio, da mentira, da desinformação (como em relação às urnas eletrônicas) sobre o comportamento e as preferências políticas de uma parcela (muitos fanatizados) da sociedade.  

Foi esse o ambiente (tóxico), que pode ajudar a compreender o ato terrorista de um fanático de extrema direita que foi antecedido e continuou a existir depois vitória de Lula em outubro de 2022, como as tentativas de golpe e ainda permanece como uma ameaça, não apenas ao governo, como à própria democracia. Daí a necessidade de punição exemplar, sem anistia.

Mentiras amplamente difundidas nas redes sociais pela extrema direita (que compreende a importância da comunicação e sabe o poder da desinformação para dar suporte a seus projetos políticos autoritários) ajudaram a criar uma espécie de uma realidade paralela para seus seguidores, alimentando insanidades, teorias da conspiração, notícias falsas, além da articulação de um golpe de estado como se evidenciou, utilizando o ecossistema de desinformação, que se transformou em uma verdadeira indústria que se expande no terreno fértil da ignorância, da intolerância e do fanatismo.  

Como disse o ministro Flavio Dino na sessão do STF o (grave) atentado deve servir de alerta “para a realidade de que persiste no Brasil, a ideia de deslegitimar a democracia e suas instituições, inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação e reforça também, e, sobretudo a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia”.

E nesse sentido, o papel fundamental do Supremo Tribunal Federal que já condenou mais de 250 pessoas por crimes de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativas de golpe e deterioração de patrimônio público tombado, além de uma multa de 30 milhões (decisão estipulada com o objetivo de que o Estado brasileiro seja ressarcido pelos prejuízos dos atos criminosos contra as sedes dos Três Poderes). Os processos continuam e se já não havia qualquer possibilidade de anistia dos condenados pelo STF (o principal alvo dos atos de vandalismo), com o ato terrorista dia 13 de novembro, não há mais qualquer possibilidade.

Tanto o ato do dia 13 de novembro, como principalmente pela gravidade e desdobramentos dos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023, foram alimentados por esse “ambiente tóxico” e foi à culminação de um processo de tentativa de golpe e não aceitação da vitória de Lula (que não iria subir na rampa do planalto). E está sendo investigado pela Justiça (e alguns já julgados e condenados). E nesse sentido, no dia 19 de novembro de 2024, a Policia Federal realizou uma operação (Contragolpe) cumprindo mandados de prisão, busca e apreensão e prenderam quatro militares de alta patente, incluindo um general, ex Secretário Executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro e um da própria policial federal como parte do inquérito que apura justamente a tentativa de golpe e entre outros aspectos, descobriu um plano (dos chamados “kids pretos” do Exército), para matar o presidente Lula e seu vice, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. O plano foi denominado de “Punhal Verde e Amarelo” e o relatório da PF (com 221 páginas) descreve como agiram os investigados, revelando que o documento com todos os detalhes foi impresso no próprio Palácio do Planalto.

Segundo relatório a investigação, entre outros aspectos, apura a atuação de um grupo que “objetiva a obtenção de vantagens de caráter diversos (políticos, patrimoniais ou não), por meio da prática de várias infrações penais, entre elas, ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e a tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, além da “inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina, desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito”. (A íntegra do relatório encaminhado ao Ministro Alexandre de Moraes no dia 14 de novembro de 2024  está disponível aqui.

E como desdobramento do processo de investigação, no dia 21 de novembro de 2024, a Polícia Federal indiciou 37 pessoas, entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro e quatro ex-ministros do seu governo, além de militares de alta patente e civis (a lista com os nomes está disponível em vários órgãos da imprensa) pelos crimes de. Segundo a nota da Polícia Federal sobre o indiciamento pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa “As provas foram obtidas por meio de diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilo telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas devidamente autorizadas pelo poder Judiciário”. Enviada ao relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, será enviado para a Procuradoria-Geral da República (PGR) que se entender que há elementos suficientes de provas, como indica o extenso e fundamentado relatório, encaminhará ao STF e os indiciados virarão réus.

Houve, portanto, um conjunto de ações, que vão desde a mobilização em frente aos quartéis do Exército pedindo intervenção militar, articulação de um golpe incluindo o assassinato do presidente eleito, do seu vice e de um ministro da Suprema Corte e que como afirmou o ministro Alexandre de Moraes “são demonstrações de que só é possível a pacificação do país com a responsabilização de todos os criminosos”.

E evidencia também a importância da continuidade de outras iniciativas, como o Inquérito 4.781 do Supremo Tribunal Federal (STF), das fake news, iniciado em 2019 que entre outros aspectos trata da disseminação de conteúdos falsos na internet e ainda não foi concluído. Especialmente porque a difusão desses conteúdos nas redes sociais contribuiu (e contribuem) para a criação do clima de intolerância, ódio às autoridades e ajudaram a “pavimentar” o conjunto das ações golpistas.

E também a retomada (e aprovação) do PL 2630/2020, conhecido como PL das fake news, que foi aprovado no Senado há mais de quatro anos (30 de junho de 2020) e trata da regulação das redes sociais, prevendo medidas de combate à disseminação de conteúdos falsos e discursos de ódio e em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2020.

É importante ressaltar que no dia 9 de abril deste ano, o presidente da Câmara Artur Lira, anunciou a criação um Grupo de Trabalho para apresentar um novo projeto com prazo de 90 dias para apresentar um relatório, e só 57 dias depois anunciou os 20 integrantes do Grupo, com o mesmo prazo de 90 dias, e como não foram concluídos, foi prorrogado por mais de 90 dias, ou seja, mais de 7 meses depois da criação do Grupo, nada foi feito. Espera-se que não apenas seja votado, como não se altere substancialmente o projeto original, como foi tentado ao longo de sua tramitação.

Em relação à regulação das redes sociais, em um evento realizado no Ministério Público no dia 14 de novembro de 2024, o ministro Alexandre de Moraes afirmou: “As autoridades públicas, aqueles que defendem a democracia, devem decidir para que haja responsabilização, para que haja uma regulamentação das redes sociais. Não é possível mais esse envenenamento constante pelas redes sociais”.

Agora, resta aguardar os desdobramentos, da tramitação do PL e da finalização do Inquérito do STF sobre as fake news, além da continuidade dos processos em curso sobre as tentativas de golpe e a punição dos responsáveis, sem anistia. Como defende a Coalizão Direitos na Rede que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais, a aprovação do PL 2630/2020é fundamental para regular plataformas e que o “crescimento da extrema direita em diversos países é facilitado pela lógica de funcionamento das plataformas, seja por não adotarem critérios para a proliferação de mensagens pagas, por construírem bolhas algorítmicas ou por não efetivarem uma moderação responsável de conteúdos online. Nesse sentido é precisoenfrentar um cenário em que as plataformas deixam de implementar medidas necessárias para proteger processos democráticos contra a desinformação e discursos de ódio”.

As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião do Veronotícias.com

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