A liberdade de imprensa é fundamental em qualquer democracia. Em um mundo onde a informação circula rapidamente, proteger esse direito é essencial. A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso “New York Times Co. v. Sullivan” (1964) é um exemplo de como equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade, e deveria servir de inspiração para o Brasil.
O conceito de “malícia real” foi desenvolvido pela Suprema Corte dos EUA como resposta às tentativas de figuras públicas de silenciar críticas e reportagens por meio de processos por difamação. Para que uma figura pública tenha sucesso em uma ação desse tipo, é preciso provar que a declaração foi feita com conhecimento de sua falsidade ou com desconsideração temerária pela verdade. Esse padrão protege a imprensa, permitindo reportagens sem o medo constante de represálias legais. É um equilíbrio necessário, que reconhece o erro como parte do processo democrático, desde que não ocorra com dolo.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a revisão da responsabilidade da imprensa no RE 1.075.412, que discute a tese de que veículos de comunicação podem ser responsabilizados por declarações de terceiros, como entrevistados, que envolvam injúria, difamação ou calúnia. A decisão original gerou preocupações sobre um possível aumento nos processos contra veículos de imprensa, levando o relator, ministro Edson Fachin, a propor uma revisão. Em seu voto, Fachin sugeriu restringir as condições de responsabilização, removendo trechos que facilitavam a remoção de conteúdo e que permitiam a responsabilização com base em “indícios concretos” de falsidade e negligência no dever de cuidado. Embora suavizada, a tese ainda admite a responsabilização, especialmente em casos de dolo direto ou eventual. O julgamento foi suspenso após o pedido de vista do ministro Flávio Dino, e a decisão final do STF sobre o ajuste da tese de repercussão geral ainda está pendente.
A tese proposta por Fachin contrasta com o padrão americano de “malícia real”. Enquanto nos EUA se exige prova de que a imprensa agiu com conhecimento da falsidade ou com desconsideração temerária pela verdade, a proposta de Fachin permite a responsabilização com base em dolo direto ou eventual, incluindo a negligência. Embora essa abordagem busque equilibrar liberdade de imprensa e proteção dos direitos individuais, ela pode levar à autocensura, pois veículos de comunicação podem temer represálias jurídicas. Diferente do modelo americano, que prioriza uma imprensa livre e investigativa como pilar da democracia, a proposta brasileira pode acabar restringindo a liberdade de expressão ao impor uma responsabilidade mais ampla sobre os veículos de comunicação.
No Brasil, ao permitir a responsabilização com base na negligência, corre-se o risco de criar um efeito inibidor, onde jornalistas optam por autocensura para evitar litígios devastadores. Isso pode diminuir a qualidade da cobertura jornalística, especialmente em temas sensíveis ou controversos.
Outro exemplo pode ser visto no Reino Unido, onde a House of Lords, em “Jameel v. Wall Street Journal Europe (2006)”, concluiu que, embora a liberdade de imprensa seja fundamental, a mídia pode ser responsabilizada se publicar material difamatório com negligência, sem verificar os fatos adequadamente. Esse caso sublinha a tendência britânica de exigir verificação cuidadosa das informações antes da publicação, criando um equilíbrio diferente entre liberdade e responsabilidade. No entanto, essa abordagem também pode incentivar a autocensura, semelhante ao que se teme com a decisão do STF.
Por outro lado, o modelo americano, ao estabelecer uma barreira mais alta para ações judiciais, promove uma liberdade de imprensa mais robusta. Ele permite que os jornalistas investiguem e exponham abusos de poder sem o medo constante de serem levados aos tribunais por erros ou imprecisões. A imprensa precisa de espaço para errar, desde que de boa fé, para cumprir seu papel de forma plena e corajosa.
Ao introduzir a possibilidade de responsabilização com base no dolo eventual, a decisão do STF pode levar à autocensura na imprensa, limitando sua capacidade de reportar vigorosamente sobre questões de interesse público. Isso contrasta fortemente com a jurisprudência americana, que oferece uma proteção robusta à liberdade de imprensa, permitindo-lhe operar com a confiança de que, salvo dolo intencional, sua função investigativa estará protegida.
O padrão de “malícia real” adotado pela Suprema Corte dos Estados Unidos é um marco de proteção à liberdade de imprensa e à democracia. No Brasil, embora a decisão do STF busque um equilíbrio justo, há o risco de enfraquecer a liberdade de imprensa. Para proteger o papel da imprensa na democracia, o Brasil poderia considerar o modelo americano como uma referência para futuros ajustes, garantindo que a imprensa continue a servir à sociedade sem medo de represálias indevidas.
Sem uma imprensa livre, a verdade se torna uma refém do silêncio.
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