A Câmara dos Deputados recentemente aprovou nova desoneração da folha de pagamento em 17 setores da economia e para municípios com menos de 156 mil habitantes. O governo federal conseguiu que ela seja progressivamente reduzida, até que em 2028 seja extinta.
Entres os setores desonerados, estão os que mais empregam no Brasil, como o de call center e construção civil, que deixam de pagar 20% de contribuição previdenciária patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para pagarem alíquotas que variam entre 1% e 4,5%.
O Brasil tem 5.565 municípios e apenas 191 têm mais de 156 mil habitantes. Ou seja, 99,71% dos municípios pagarão 8% e não 20% de INSS sobre a folha de pagamento de seus funcionários.
A desoneração, em 2024, retirará R$ 18 bilhões do INSS. E essa conta tem tudo a ver com a Seguridade Social e, consequentemente, com a Previdência.
No momento em que se discute uma nova Reforma da Previdência, como já visto no meu último texto neste Vero, é indispensável que se discuta a contribuição que o poder público tem na redução dos recursos para o financiamento da Previdência Social. Recursos esses, previstos na nossa Constituição com destinação específica para o Orçamento da Seguridade Social.
Já em 2017, durante a CPI da Previdência, com a qual tive a honra de poder contribuir e teve justamente como objetivo “investigar a contabilidade da previdência social, esclarecendo com precisão as receitas e despesas do sistema, bem como todos os desvios de recursos”, apontou a desoneração da folha de pagamento de setores da economia como um importantes desvio de recursos constitucionalmente destinados à previdência. Naquele ano de 2017, a desoneração da folha correspondeu a uma redução de pouco mais de R$17 milhões. Hoje estamos falando de R$ 18 bilhões.
Não há dúvida agora como não havia quando da CPI, que a desoneração da folha é uma importante política de fomento à industrialização e ao desenvolvimento de setores que são prioritários para o governo, mas como apontado no relatório da CPI, não é possível ‘o Estado brasileiro levar benesses ao sistema produtivo privado com o dinheiro alheio, ou como diz o ditado popular com o “chapéu alheio”’.
E desde a CPI também sabemos que não é só pela desoneração da Folha que o poder público retira recursos importante para o financiamento da Seguridade Social. A Desvinculação de Receita da União, a DRU, tem, desde 1994, contribuído para retirar recursos da Seguridade Social e alocá-los em outros setores.
A desvinculação das receitas da união foi um instrumento criado em 1994 pela Emenda Constitucional de Revisão n. 1, ao incluir o artigo 71 e seguintes nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (na época chamado de Fundo de Emergência) para permitir que o governo retirasse recursos vinculados, como é o caso dos recursos das contribuições sociais, para poder usar de forma emergencial no contexto da entrada em vigor do Plano Real. Desde então esse repasse provisório foi sendo prorrogado e ampliado de 20% para 30% com a nomenclatura de Desvinculação das Receitas da União – DRU e com o repasse de recursos que originariamente seriam para a saúde, assistência e previdência social para outras despesas do Orçamento Fiscal.
Em 2015, apontou a CPI da Previdência, a DRU foi responsável por destinar R$ 962 bilhões para o pagamento de juros e amortização da dívida pública. Desses, 94% tinham origem nas contribuições sociais, indispensáveis para a sustentabilidade da seguridade social. Daí porque, em 2019, a Emenda Constitucional n. 103 extinguiu a DRU sobre as receitas das contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social.
Entretanto, lamentavelmente, em 2022, a Emenda Constitucional n. 126, restabelece o mecanismo oficial de desvinculação de receitas sociais para outros fins. Hoje a DRU permite a desvinculação de 30% das contribuições sociais, tendo garantido, apenas, pagamento das despesas de Regime Geral da Previdência Social, o que não inclui toda a Seguridade Social, que é integrada, também, por Saúde e Assistência Social.
E o objetivo originário da Constituição Federal de 1988, que era assegurar um farto orçamento para a seguridade social para que ela garantisse os direitos relacionados à saúde, assistência social e previdência, tem sido corroído e desvirtuado quanto às suas finalidades de proteção em relação aos riscos sociais e a garantia de bem-estar da população.
A norma que adiou pela última vez o fim da DRU prevê que ela seja extinta agora, em 31 de dezembro, mas já há discussões no governo para que seja prorrogada para 2025.
É momento de ampliarmos, na sociedade, o debate sobre o financiamento da seguridade social, em geral, e da previdência social especificamente, sob o risco de que assim como a DRU vem sendo prorrogada há mais de 20 anos em prejuízo de quem está exposto ao risco social, a desoneração da folha de pagamento tenha o mesmo destino. E, certamente, não haverá reforma possível. Será a extinção da proteção social pelas mãos do Estado.