A experiência audaz que valoriza os juízos intuitivos ante os métodos racionalizados de julgamento e produção de dados acerca da realidade percebida romperam a boa fama do pensamento crítico estruturado, condicionado às profundas testagens das razões que sustentam o raciocínio empreendido, que faz uso da lógica, da epistemologia, dos conhecimentos científicos acreditados, da sociologia, da filosofia, das ciências naturais, das experiências consolidadas; todos, aptos à produção de crenças justificadas.
Agora, qualquer coisa aparenta conter razões adequadas, o que permite formular juízos absolutamente desligados dos conceitos essenciais que versam sobre o objeto avaliado. Qualquer sandice ganha status de verossímil.
A crítica que faço serve para depreciar a construção de juízos cotidianos e aqueles formados nas instituições. Os artifícios isquêmicos do discurso sobre a verdade, componentes das estratégias de manipulação, teorizadas por Chomsky (2014, p.18), apresentam um quadro em que o derretimento crítico promove a adesão de ideias absurdas, magnetizadas, agrupadas para transmitir um falso valor de apoio da maioria, mesmo que nada justifique racionalmente o raciocínio empreendido. Aquilo que se diz verdadeiro, o enunciado acerca do fato averiguado, não precisa corresponder ao valor de verdade racionalmente atribuível. Nada precisa fazer sentido, por exemplo: o terraplanismo. A distopia é método de produção de estenoses da realidade, estreitamentos que prometem a absorção de síntese da realidade, quase sempre descolada das propriedades reais.
A produção crítica do pensar não pode enveredar ao cientificismo asséptico, também não pode negar os conhecimentos racionalmente justificados (Haack, 2002, p. 290). A tarefa é trabalhosa e árdua. É fácil supor que esta atividade não é tolerante à algazarra. Os planos comunicacionais de massa (redes sociais organizadas por algoritmos) não são capazes de vencer conceitualmente a capacidade de averiguar a verdade. Mas, quem se interessa pela verdade? Tampouco há de se falar em meia verdade, ou gradativa, dado que a verdade é ou não é (Haack, 1980, p. 57).
Há aspectos inerentes à manipulação de ideias que constroem deliberadamente simulações, fabricadas mediante premissas falsas, calcadas em propostas eficientistas, conforme alertaram Marcuse (1973, p.27) e Horkheimer (2015, p. 69), com objetivo rentista e de salvaguarda das soluções aparentemente fáceis da vida em detrimento do pensamento crítico. Quem assimila soluções fáceis, desprovidas de crítica, pode engendrar no risco de não raciocinar, ou não produzir raciocínios capazes de justificar racionalmente suas opções. A pergunta a se fazer é: preferes o “asno que me leva” e “mata o cavalo de sela”? Talvez, nem Gil Vicente aprovaria.