Não sei se o leitor conhece a história do pirata inglês, Thomas Cavendish. Viveu e morreu no século XVI. Foi um herdeiro endinheirado e perdulário, que perdeu, antes dos 30 anos, quase toda a sua fortuna. Decidido a recuperá-la, tornou-se pirata, com as bençãos da rainha Elizabeth I da Inglaterra, cuja estratégia era erodir, por meio da pirataria, o duopólio ibérico dos mares, estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, nos estertores do século XV.
Cavendish circunavegou o globo, numa bem-sucedida viagem de pilhagens. Na sua segunda expedição, em 1591, cruzou o Estreito de Magalhães e retornou até a costa brasileira para saquear as cidades de Santos e São Vicente. O corsário inglês sofreu, então, uma refrega em Vitória, onde perdeu parte de sua tripulação (morta, ferida ou abandonada) e parte dos espólios da excursão. Saiu fugido e morreu no oceano, de causas desconhecidas. Conta a lenda que seu tesouro ainda se encontra enterrado em algum lugar na área da Baía de Castelhanos, em Ilhabela, no litoral paulista.
Cavendish veio buscar lã e saiu tosquiado, sem o ouro e a prata brasileiros. Quatrocentos e trinta e dois anos separam o seu desaparecimento e a aventura de um conterrâneo seu, o advogado inglês, Thomas Goodhead, que tem eletrizado os meios jurídicos transnacionais.
Goodhead, sócio do escritório Pogust Goodhead, captou mais de meio bilhão de dólares do fundo Gramercy; estabeleceu uma rama de seu escritório no Brasil, por meio de relações de parceria e de sociedade com advogados brasileiros; estendeu tentáculos pela imprensa, muito bem amparado por influentes assessores de comunicação, e contratou estrelas do mundo jurídico (ex-ministros, advogados muito próximos do Planalto e juristas que fingem dar opiniões desinteressadas), em uma estratégia que mescla advocacia e comércio.
Goodhead representa supostamente 700 mil vítimas das barragens que se romperam em Mariana e Brumadinho, dentre elas empresas e municípios afetados. Há quem diga que comprou créditos de seus clientes, ou seja, das vítimas das tragédias, pelo que detém, em alguns casos, até 80% da indenização pleiteada, para se tornar mais credor das empresas mineradoras responsáveis pelo pagamento da indenização do que as próprias vítimas. Tom é o maior credor das indenizações, mas não é vítima.
Não contente com o montante da indenização que está para ser acordada no Brasil, com a participação das mineradoras, do Ministério Público e da Advocacia Geral da União – que pode chegar ao montante de 180 bilhões de reais –, Goodhead moveu uma ação, por representação desses clientes, muitos dos quais lhe venderam seus créditos, na Alta Corte de Londres, onde pleiteia algo como 270 bilhões de reais. Se obtiver sucesso, uma parte significativa dessa condenação será devida pela Vale, a mineradora brasileira, dona de Carajás, a maior mina de ferro do mundo.
O advogado inglês tenta a todo custo atrapalhar a consumação do acordo de reparação no Brasil, porque acredita que a Corte de seu país, que – supostamente para ajudar a salvar o planeta – ampliou sua jurisdição de modo a abarcar questões ambientais e ações coletivas dela decorrentes, pode lhe ser mais benéfica. Resta saber se uma sentença inglesa também será mais benéfica para as vítimas brasileiras, muitas das quais já trocaram com Goodhead suas indenizações futuras por espelhos e miçangas.
Especialistas enfatizam que esses contratos entre Goodhead e seus clientes, dos quais o advogado remanesce com a maior parte da indenização, são nulos ou anuláveis, por ferirem as leis do país. Não ferem, ao que parece, as leis inglesas. Talvez seja por isso que Goodhead prefira receber por lá…
O primeiro Tom, que era pirata, veio em busca de ouro e de prata. O segundo quer ferro. Terão ambos o mesmo destino?
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