Na última semana (12/2) o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministério da Justiça e da Cidadania e o Governo Federal lançaram o Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras, o Pena Justa.
O plano foi uma resposta ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 347, encerrado em 2024. Conclui o STF que as prisões brasileiras não respeitam postulados constitucionais ao não ofertarem condições necessárias e suficientes para o exercício pleno da dignidade humana, as condições as quais são imprescindíveis para o convívio comunitário e o respeito às subjetividades e garantias provenientes do reconhecimento de direitos de proteção contra arbítrios e promoção de dignidade.
Contrariamente, a Pena Justa não parece aportar ações contrárias às penas injustas, aquelas que não deveriam existir, porque violaram direitos os quais as normas jurídicas radicam proteção e, ademais, desrespeitam valores que informam e dão sentido à da nossa sistematização jurídica atual.
Há quatro eixos principais: (1) controle da entrada e das vagas no sistema prisional; (2) qualidade da ambiência, dos serviços prestados e da estrutura prisional; (3) processos de saída da prisão e da reintegração social; (4) políticas para não repetição do Estado de Coisas Inconstitucional no Sistema Prisional.
O primeiro eixo poderia conter estratégias incorporadas à concepção racionalista, a qual dispõe que a decisão judicial condenatória deve ser tal que confirme racionalmente a ocorrência dos fatos enunciados , tornando a punição a qual se relacionam adequada. Não há nada a respeito das estratégias para minorar erros judiciais, condenações baseadas em procedimentos de averiguação que não utilizam métodos confiáveis e, que não produzem informações racionalmente validadas. A pena pode até ser injusta, mas será cumprida justamente. É uma contradição em termos.
O eixo controle da entrada e das vagas do sistema prisional dispõe, por exemplo, da sobrerrepresentação da população negra dentro da comunidade penitenciária e o uso excessivo da pena privativa de liberdade. O ponto relevante está na justificação do plano, que traz um argumento em favor da diminuição das prisões cautelares no Brasil.
Segundo levantamento do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen) , 27, 18% da população carcerária em dezembro de 2023 não havia recebido uma condenação, sendo prisões ocorridas durante a investigação ou o curso do processo, sem que houvesse um pronunciamento firme acerca da culpa do réu ou investigado. O público preferencial são os negros, o que revela um dispositivo de racismo estrutural , atuante e de alta performance.
Os causadores da superlotação, de acordo com o Plano Pena Justa, é o recrudescimento do aparato repressivo, o que equivale a dizer que o estado está mobilizado para prender mais, não havendo dispositivos de contenção eficientes, bem como não há meio de melhorar índices de erros judiciais. Um dos motivos seria o baixo interesse em melhorar o raciocínio probatório: “não é acompanhada por mais esforços de investigação”. Há muito mais, todavia, há o suficiente para a conclusão.
Do lado oposto dessa iniciativa estão os números do próprio STF, em concessões de ordem em habeas corpus para soltura de pessoas presas. Levantamento divulgado pelo jornal O Globo revela que em cada 100 pedidos, apenas em quatro foram concedidas as solturas. Em 2024 foram 15.130 habeas corpus de janeiro a outubro, com 577 decisões favoráveis. O Ministro Flavio Dino foi o que apresentou menor taxa, apenas 0,27% dos habeas corpus tiveram desfecho concessivo. O Ministro Edson Fachin está no topo da lista, com 9% de concessões.
A pesquisa, por outro lado, revela defeitos de fundamentação nas decisões que ensejaram as prisões, o que deveria receber rechaço pelo sistema de justiça. Reflexamente, é possível supor que o percentual maior de rejeições de liberdade atinge com mais gravidade a população negra.
O programa Pena Justa é uma inovação exemplar e apresenta iniciativa salutar de aperfeiçoamento e melhorias do sistema de justiça nacional. Mas, é preciso que as reformas comecem dentro dos tribunais, em especial, que se evite retrocessos no próprio STF.
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