A discussão em torno dos benefícios fiscais sempre levanta debates acalorados no Brasil, especialmente em tempos de crise econômica, quando setores vulneráveis clamam por auxílio governamental para se manterem ativos. Um dos mais recentes casos que exemplificam essa questão é o julgamento afetado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que discute o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148/2021. O Perse foi criado em resposta à pandemia da COVID-19, visando oferecer um alívio tributário temporário ao setor de eventos, que foi fortemente impactado pelas restrições sanitárias.
No entanto, como ocorre com qualquer incentivo fiscal, a questão da permanência e aplicação desses benefícios tornou-se alvo de disputas legais e de influências. O STJ afetou os Recursos Especiais 2.126.428, 2.126.436, 2.130.054, 2.138.576, 2.144.064 e 2.144.088, sob relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, para análise sob o rito dos repetitivos. Em pauta, estão dois pontos fundamentais: a necessidade de inscrição dos beneficiários no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) e a possibilidade de empresas optantes do Simples Nacional usufruírem da alíquota zero prevista no Perse para tributos como PIS, Cofins, CSLL e IRPJ.
O primeiro ponto de controvérsia é se, para gozar dos benefícios do Perse, o contribuinte deve estar inscrito no Cadastur, cadastro regulamentado pela Lei 11.771/2008 e direcionado aos prestadores de serviços turísticos. Essa exigência não se aplica automaticamente a todos os segmentos de eventos, o que levanta dúvidas sobre a real extensão da exigência do cadastro para a concessão do benefício. O Perse, ao ser estruturado como programa de recuperação do setor de eventos, teoricamente se aplica a empresas que não são estritamente do setor turístico, mas que foram diretamente afetadas pela pandemia, incluindo casas de espetáculos e organizadores de feiras e congressos. Assim, a interpretação restritiva de exigir o Cadastur pode reduzir significativamente o alcance do programa e beneficiar apenas uma fração dos interessados.
O segundo ponto em análise é a possibilidade de empresas optantes do Simples Nacional terem direito à alíquota zero de PIS, Cofins, CSLL e IRPJ, apesar da vedação prevista no artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006. Esse dispositivo proíbe o acúmulo de benefícios fiscais a quem opta pelo Simples Nacional, sob o argumento de que esse regime já possui carga tributária reduzida. No entanto, essa proibição, que visa evitar distorções competitivas, também gera discussões sobre a equidade no tratamento dos empresários que escolheram o Simples em busca de simplificação e menor carga tributária.
Esses dois aspectos refletem um tema mais amplo: o interesse na manutenção de benefícios fiscais como ferramenta de alívio econômico e as forças que atuam na definição de quem pode ou não usufruir dessas vantagens. Incentivos fiscais são, de fato, bem-vindos, especialmente em setores vulneráveis, mas existe uma tendência de perpetuação desses benefícios mesmo após a crise inicial. Essa perpetuação costuma estar associada a lobbies setoriais e ao peso da máquina de influência política, que, uma vez mobilizada, busca estender ou tornar permanentes os incentivos.
A decisão do STJ terá um impacto significativo tanto para o setor de eventos quanto para os precedentes futuros envolvendo benefícios fiscais. Se o tribunal optar por uma interpretação mais restritiva — exigindo o Cadastur e proibindo o benefício do Perse para optantes do Simples Nacional — o alcance do Perse será limitado, contrariando seu objetivo inicial de recuperação ampla do setor. Por outro lado, uma decisão mais inclusiva pode representar uma concessão fiscal ampla e custosa ao Estado, com efeitos que talvez extrapolem o período de recuperação do setor.
Nesse contexto, a discussão jurídica se torna política, uma vez que interesses econômicos e setoriais passam a influenciar a aplicação e manutenção dos benefícios. Não é incomum observar incentivos fiscais sendo alvos de pressões para se tornarem permanentes, beneficiando não apenas empresas vulneráveis, mas também grandes corporações que visam reduzir suas obrigações fiscais em longo prazo. Assim, o que inicialmente era um benefício emergencial pode se converter em um passivo fiscal crônico para o Estado.
A questão que o STJ agora enfrenta não diz respeito apenas aos beneficiários do Perse, mas à própria política de incentivos fiscais no país. A concessão de benefícios temporários com critérios flexíveis, se não controlada, pode abrir brechas para interpretações jurídicas que estendem benefícios de forma excessiva. Um sistema de incentivo que busque atender setores específicos de forma justa deve ter critérios claros, objetivos e uma fiscalização rigorosa para que esses benefícios realmente alcancem os pequenos e médios empresários em situação de vulnerabilidade, sem se converterem em privilégios duradouros para grupos de maior poder econômico e influência.
Em suma, o julgamento do STJ sobre o Perse é emblemático, pois traz à tona o debate sobre a justiça e a eficácia dos benefícios fiscais no Brasil. A concessão de alíquotas reduzidas ou isenções tributárias deve ser monitorada de perto para evitar que se tornem apenas mais um mecanismo de perpetuação de privilégios, atendendo mais a interesses de grandes players do mercado do que à finalidade de alívio econômico emergencial para setores realmente necessitados.
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